2014/04/26

Abaixo o empreendedorismo! (1)


Carlos Ribeiro
(Um empreendedor revoltado com o empreendedorismo)

Nada melhor como aproveitar o espírito de Abril, hoje na comemoração dos 40 anos da Revolução dos cravos, para lançar um grito de alerta para o engodo que se avoluma em torno do conceito, tornado referência obrigatória nas acções públicas e privadas, por todos denominado de...... empreendedorismo.
Sim! hoje podemos utilizar palavras-de-ordem, slogans, e levantar bandeiras. Abaixo este empreendedorismo! Que é moda, pau para toda a colher e sobretudo uma referência oca e muitas vezes artificial, para quem quer dar nas vistas.
Desde o lançamento das Oficinas de Projectos, em 1997, no quadro do Programa Formação PME da AEP, que as ideias - força da promoção da iniciativa, do incentivo à criação de novas actividades, do acompanhamento a quem tem poucos recursos me seduziram e passaram a integrar o meu referencial de intervenção nos territórios e nas organizações. Mas uma coisa é apoiar quem necessita de se auto-organizar e facultar algumas ferramentas para o desenvolvimento dos projectos. Outra coisa é fazer da  criação de empresas um salva-vidas e de forma cruel e irresponsável apoiar aventuras que em muitos casos acabam mal.
Separar o trigo do joio, eis algo que me parece urgente para poder ser declarado, aliás como em muitas outras coisas na vida do país, que em matéria de empreendedorismo, o rei vai nu!




Os equívocos
O primeiro efeito desta vaga dita empreendedora radica na redução do espírito empreendedor à criação de negócios. É empreendedor, no entendimento destes novos apóstolos, quem cria empresas e procura ultrapassar os seniores da capa da Exame.
Como, para criar empresas, nunca foi necessário no passado tanto chinfrim, então o que podemos deduzir  é que o que se pretende é lançar um "novo espírito de conquista" e  "uma nova imagem dos negócios" agora mais associados a pessoas combativas e menos dominados pelo objectivo do lucro.
Ser empreendedor é ser salvador de si próprio e do conjunto da sociedade. Eis uma base ideológica que já serviu para outras coisas, num passado recente.
O segundo ponto crítico desta vaga empreendedora está associado a uma referência intrigante que é a chamada atitude. Ser empreendedor é assumir uma atitude! Ou seja, em contraposição aos passivos, aos que cruzam os braços, aos moscas-mortas, o empreendedor arrisca.....e claro petisca! A armadilha deste discurso de verborreia atitudinal é a culpabilização. E quem não salta !!!! não é empreendedor!!!. A técnica é simples. Fazer recair sobre quem se encontra em dificuldade social, a responsabilidade, melhor,  a culpa, da situação em que se encontra, nomeadamente a de desempregado.

Mea culpa
A mensagem é clara. Há os que têm atitude. Que se libertam e há os que confirmam, pela ausência de atitude, que são de facto os culpados da sua própria situação. É um regresso ao darwinismo por outras formas....
O terceiro ponto relaciona-se com a linguagem enganadora. Dominada pelos anglicismos saloios, das start-up, dos business-plans, do mentoring, dos business angels and so on....criam uma linguagem de casta e de seita. Aqui só entra quem domina os códigos. É pior que os clubes de negócios dos ingleses no tempo colonial. Mas o engodo é total. Por detrás desta fachada está uma espécie de jogo Monopoly ou de simulador da realidade que revela antes de mais algo de artificial e sem interesse para o desenvolvimento do país.
Um quarto ponto prende-se com os chamados Cursos de Empreendedorismo. Na prática são cursos de gestão de empresas com algumas pitadas de Gestão de Recursos Humanos relacionadas com as competências,  as motivações para empreender e as formas de liderança. Neste último domínio usa-se e abusa-se de abordagens psicológicas de base comportamentalista e endeusa-se os desempenhos voluntaristas, infantilizando, em muitos casos os adultos que participam neste tipo de acções de formação.

Escola dos negócios
Mas nesta matéria,  grave é o que está a acontecer nas escolas. Em nome da Educação para o  Empreendedorismo estão a ser promovidos os valores individualistas, ligados ao mundo dos negócios, segregando, desde pequenos os que terão capacidade de sobreviver, porque são empreendedores e os que estão condenados a trabalhar (coitados) para terceiros. Neste campo existem bandos de "evangelizadores" que agora dedicam o seu tempo a pregar nas escolas básicas e secundárias do país, as delícias de uma nova religião, o empreendedorismo, que não é mais do que um outros ismo, que nos acompanha desde o século 17.

(Continua.....)