2014/06/23

Turismo sustentável, esperar para ver !


Num país dominado por sectores económicos e sociais em profunda crise nada de mais justo do que valorizar o dinamismo registado pelo turismo nos últimos anos e destacar os resultados positivos alcançados. Falamos de resultados e não de impactos porque estes ainda carecem de ser avaliados.
A interrogação é legítima : será que a evolução que estamos a observar  se inscreve numa rota autêntica sustentabilidade ou estaremos apenas e só perante mais um ciclo de crescimento conjuntural ?
by Carlos Ribeiro, Artigo publicado no Jornal Valor Local
Desde logo importa aferir, nos pilares que estruturam de uma forma global os processos sustentáveis, se estamos perante uma real evolução ou se podemos apenas sinalizar um « aumento da actividade ».
Numa interpelação relativamente simplista poderíamos colocar a  questão nos seguintes termos :
a) na variável económica : a intensificação da actividade foi acompanhada por medidas de integração com a economia local ? houve a precupação em incorporar produtos locais na oferta aos turistas ? foram articuladas soluções dos operadores do sector com elementos culturais e identitários dos territórios ? foram desenvolvidas estratégias de fidelização baseadas nos factores únicos e peculiares das relações humanas e personalizadas nos ambientes experienciados ?
valor local junho 14Relembremos pois que os resultados  económicos  das actividades turísticas podem ser profundamente ilusórios se não forem claramente definidos os  critérios do tipo de competitividade desejada. Hoteis do Algarve que servem sumos de latanja  espanhola, tendo em alternativa e ao seu dispôr uma excelente laranja local, por certo estarão a desenvolver estratégias de rentabilidade muito imediata e com preocupações meramente conjunturais.
b) na variável social : o crescimento de actividade teve efeitos positivos na remuneração dos trabalhadores e consequentemente na coesão social do território, ou foram principalmente adoptadas políticas remuneratórias de salários extremamente baixos ? a relação entre a qualidade do serviço e as condições sociais e logísticas nas quais operam os profissionais do sector foram acauteladas ? ou seja a aposta numa qualidade de excelência foi sustentada por políticas de envolvimento e de empoderamento das equipas de trabalho, ou foram apenas implementadas acções de cosmética de relações públicas internas que apenas servem para iludir os clientes e os colaboradores ? A dimensão social não é apenas aferida do lado dos colaboradores. Vejam-se as abordagens ao cliente em matéria de mobilidade das pessoas portadoras de deficiência, Avalie-se o tratamento indigno das pessoas idosas nas estratégias massificadoras e exploradoras dos grupos do chamado turismo sénior. Será razoável os equipamentos turísticos utilizarem a seu bel prazer milhares de estágios profissionais de alunos das escolas de hotelaria e turismo e terminada a « época alta » dispensarem-nos, sem apelo nem agravo, sem lhes proporcionarem quaisquer oportunidades ?
c) na vertente ambiental : o aumento da actividade terá sido acompanhado por medidas de protecção ambiental e de valorização das condições naturais locais colocando no centro da imagem projectada aos turistas uma radical opção de defesa da natureza e de valorização do património natural do território ? Os materiais utilizados nos equipamentos turísticos e a oferta alimentar  revelaram  uma preocupação central pelas questões ambentais ? perante o aumento do número de clientes resistiu-se à proliferação dos plásticos e dos materias não – recicláveis ? dificilmente poderia ser admitido que  um aumento do número de turistas se traduzisse num descontrolo proporcional da pegada ecológica.
Se quiséssemos complicar ainda mais esta abordagem  colocaríamos de forma adicional questões várias sobre a existência ou não de processos de integração das três vertentes mencionadas nas estratégias de desenvolvimento turístico levadas a efeito.  Mas isso seria ser demasiado exigente. Há quem se satifaça com os resultados, de sucesso aparente. Eu prefiro esperar pela medição dos impactos que nos revelam uma verdade nua e crua sobre o rumo seguido em matéria de desenvolvimento sustentável.
Carlos Ribeiro
Jornalista e consultor para o desenvolvimento e a inovação